terça-feira, 6 de janeiro de 2009

BELEZA

A única coisa que eu posso lhe dizer amigo é que conhecia Beleza desde que cheguei aqui nesta cidade, e que não via mal nenhum nesse cara. Não sei como era realmente o nome dele, se não me engano vi algumas vezes a mãe, que também não era boa da cabeça, chamá-lo de Antônio.
Passei a conhecê-lo quando minha mãe resolveu se mudar para esta cidade. Lembro bem do dia em que o vi pela primeira vez. Eu estava na banca de café da minha mãe, pois era disso que a gente tirava o complemento para as despesas da casa.
Beleza chegou, pediu um café, estava sujo, mas não podíamos menosprezar fregueses, servi-o sem desconfiar de nada. Em seguida ele pediu uma tapioca, entreguei-lhe imediatamente. Durante a conversa (se é que posso referir-me àquilo como conversa) percebi que ele não batia bem da cachola. Vi no mesmo instante um cidadão que olhava para mim e girava o dedo ao redor do ouvido e apontando para Beleza, dando-me sinal que aquele meu novo freguês era doido. Daí em diante passei a despistá-lo quando me pediu mais uma tapioca, um pedaço de bolo... Mas confesso que estava com medo dele, afinal não o conhecia e o sujeito podia ser violento. Mas não. Não era bravo coisa nenhuma.
Levantou-se de súbito e pediu-me então um pente. É um pente! Com muitos dias descobri para que ele queria aquele pente. Pois estava aí a origem do nome Beleza. Todos os moradores dessa cidade sabiam que quando ele chegava numa casa, depois de pedir comida, água ou outra coisa sempre findava por pedir um pente e se alguém dava ele se penteava, passava a mão no cabelo e dizia: — Beleza!!! — era o sinal de que estava pronto para o eterno passeio pela cidade. Devolvia o pente e saía.
Muitas pessoas já tinham o pente separado em casa para quando ele passasse. Beleza vestia-se mal: rasgado, com camisas de candidatos políticos dadas pelo povo que o conhecia. Andava sujo e mal cheiroso. No entanto não lhe faltava ninguém para tirá-lo a terreiro quando ele passava:
— E aí Beleza, beleza?
— Beleza de tudo, belezinha! — respondia o pobre diabo.
E era sempre assim a rotina dele: a pedir pão, água, comida e o pente, sempre o pente. Passei a adotar a mesma mania dos habitantes dessa cidade. Guardava sempre um pente em baixo da banca para emprestar a beleza. No começo até lhe dei alguns, mas fui avisado que não desse, pois ele sempre os perdia. De quebra, quando a feira estava boa, dava-lhe um café e uma tapioca em troca de ficar ouvindo suas lorotas sem nexo algum.
Lembro de uma em especial. A d’O Homem no Carro Sem Freio.
Beleza chegou pra mim e falou:
“— Rapaz, você soube do acidente que ia tendo com seu Gustavo da bodega?
— Não! — falei já sabendo que vinha mais um dislate — Como foi esse acidente Beleza?
Pediu-me uma xícara de café e depois que lhe servi ele começou:
— Seu Gustavo ia descendo a ladeira e quando chegou mesmo no meio da ladeira o carro faltou freio, e o carro só desembestando, desembestando e seu Gustavo nada de conseguir frear o carro, aí pra acabar de acertar seu Gustavo enganchou o pé no freio. Aí ficou danado mesmo! Seu Gustavo atrás de pular e não podia mais nem pular porque tava com o pé enganchado e o carro só descendo, descendo...
— E aí Beleza, o que foi que ele fez? — perguntei entusiasmado interrompendo-lhe o relato..
— Aí seu Gustavo deixou o pé lá no freio e pulou. Ele era bem besta de morrer por causa de um pé véi.
Terminava ali mais uma história sem nenhum compromisso com a verdade ou com a lógica, mas era mais uma das lorotas do doido que todo mundo gostava.
Pois é amigo, só é o que sei dele. E não consigo acreditar quem fez isso aí com Beleza. Ele não fazia mal a ninguém, vendo ele assim no chão, morto a pedrada é de cortar o coração, não consigo imaginar quem seria tão animal para fazer uma coisa dessas. Merece ser enforcado quando descobrirem. Devia estar bêbado ou drogado ontem à noite para cometer tamanho assassino, por que não escolheu outra pessoa? Logo Beleza! Não. Não consigo acreditar.
Olha! Veja só! Ainda está com o pente que eu lhe dei justamente ontem depois de tanto tempo que não lhe dava nenhum. Talvez ainda agonizando tenha penteado o cabelo e dito várias vezes “beleza de tudo, belezinha”. Afinal doido como era não devia nem saber que estava lhe chegando à hora da morte, não devia nem saber o que era morte, nem suas sensações.
Pois é amigo, se você chegou a pouco e não conhecia o homem aí estirado. Chamava-se Beleza, Chamavam-no de louco. Eu chamava “contador de causos”, meu contador de histórias favorito, só ele tinha a emoção e a inocência em dose certa.
Talvez fique melhor agora!