sábado, 30 de agosto de 2008

COMPRA DE VOTO É BOM DEMAIS

Preste atenção minha gente
Nesse ano de eleição
Cuidado com a compra de voto
Dos partidos que ai estão
Nunca votem por dinheiro
Sem antes pensar primeiro
E consultar seu coração

Quando um candidato
Lhe dar dinheiro pra votar
Ele está duvidando
Da sua capacidade de raciocinar
Então é nesse momento
Que lhe chama de jumento
Tentando lhe enganar

Mas quero dizer aos candidatos
Que ninguém aqui é jegue
O eleitorado está mudando
Ele vota em quem segue
Não é por material
Nenhuma coisa assim igual
Faz com que ele se entregue

Os políticos se acostumaram
A comprar voto por dentadura
Tijolo, cimento, telha
Dinheiro até para a verdura
E esperam no dia da votação
A sua garantida eleição
Com ampla e digna bravura

Pois vou contar uma historia
Pra vocês darem risada
Recebi visita dum candidato
Ainda semana passada
Que veio comprar meu voto
Disse: bota fé? Eu digo boto
E depois dei gargalhada

Ele chegou lá em casa
Perguntou o que eu precisava
Eu disse a ele é só uma coisinha
E ele apenas me olhava
É que eu to querendo
Mas ainda não to podendo
E ele disse que me ajudava

Quero terminar minha casinha
Pra ficar mais espaçosa
A família está crescendo
Ficando mais vantajosa
Então preciso dum cimento
Pois comprar num agüento
Para casa ficar mais jeitosa

E o candidato disse:
Num precisa se preocupar
Você me prometendo o voto
Ainda hoje venho deixar
E num é que o danado
Ficou todo animado
Na esperança de ganhar

Maria minha mulher
Tava em pé assim do lado
O candidato olhou pra ela
Perguntou muito ouriçado
E a senhora precisa de que?
Diga que eu quero saber
Pra lhe fazer um agrado

Maria ia dizer
Que de nada precisaria
E eu pisquei o olho pra ela
Pra aproveitar aquela orgia
E então ela falou
E preciso seu doutor
Pra eu ter mais alegria

É que a feira tá acabando
E meu marido desempregado
Então eu queria um dinheirinho
Pra comprar lá no mercado
Uma carne, um feijão
Um arroz, um requeijão
Verduras e um picado

E o doutor com muita coragem
Enfiou a mão no bolso
E tirou cinqüenta conto
Sem fazer muito esforço
Entregou para a mulher
Disse “dar pra o que quer?”
E cometeu esse destorço

Ao menino menorzinho
Que chegava no momento
Perguntou com a voz mansa
Sem nenhum constrangimento
Esse menino é seu
Eu respondi, ele entendeu
E demonstrou seu sentimento

— ao menino eu darei
uma roupa pra vestir
que assim mais animado
o bichinho irá se sentir
e assim fez o danado
cumprindo com o combinado
com tudo que disse ali

E assim foi passando
Candidato um por um
Eu pedia sempre uma coisa
A mulher pedia mais algum
E o menino meu
Com tudo que recebeu
Ficou mesmo o olodum

Todo enfeitado de roupa
Pra tudo quanto é ocasião
Eu tava aos pinotes
Muito feliz de coração
E a mulher muito animada
Não saÍa da calçada
Esperando negociação

Dizia assim: não feche a porta
Por causa das visitas minhas
Quero lucrar tudo
Um dinheiro, umas roupinhas
Mas no dia de votar
Eu sei quem vai ganhar
A confiança minha

E quando os cabra chegava
Era sempre a mesma conversa
Era o choro da mulher
Do político vinha as promessa
E era nós se ajeitando
Tava quase enriquando
Pois era dinheiro à beça

E no dia da eleição
Eu e Luzia nos combinamos
Em votar em quem queria
Sem pensar no que ganhamos
E assim os candidatos
Que cometeram tantos atos
Em nenhum deles votamos

Se algum deles ganharam
Não foi por voto meu
De luzia também não foi
Pois ela me prometeu
Votar num político honesto
Ela disse e eu atesto
No que ela cometeu

Mas a maioria perderam
O dinheiro e a eleição
Isso é pra aprender
Não cometer corrupção
O povo ficando esperto
E votando então mais certo
Faremos melhor seleção

Se eles ficaram devendo
A culpa não é minha
De cada loja uma cobrança
Chega então a cada dia
E eu to aprumado
E já estou cansado
De remodelar minha casinha

A mulher abriu inté uma conta
No banco aqui da cidade
De chapa de dente tem três
É só felicidade
E o menino então
Feliz do coração
Vejam só a novidade

De roupa ele tem
Uma pra cada ocasião
De Natal a ano-novo
Até primeira comunhão
Assim ele está garantido
Por quatro anos previnido
Pra esperar outra eleição

Porque comigo é assim
Pois eu sou um brasileiro
Que político que compra voto
Que engana o povo com dinheiro
Eu recebo então a grana
E ele pensa que me engana
Mas eu lasco ele primeiro

A VIAGEM

Fui talvez o décimo terceiro a entrar no ônibus. Poltrona 19, eu lá me sentei. Não havia ninguém ao meu lado. Preferi o corredor, é o corredor. Muita gente prefere a janela, mas eu, eu prefiro o corredor. Na janela a gente só ver mato, jumento, cavalo, bode e muito raramente pessoas. As pessoas passam rápidas pela visão da gente. Não percebemos seu semblante. A janela não tem alma. No corredor sim. Gosto de ficar olhando as pessoas quando vão entrando, uma a uma. Suas fisionomias, suas roupas, suas malas suas crianças... Estas sempre são mais apressadas e curiosas. Embeocam na frente dizendo.
— Aqui, aqui, nessa aqui — batendo sobre o braço da poltrona eleita por eles para ser o seu assento e dos pais, é claro, que sempre cedem a elas.
Depois de uns dez minutos entra uma garota super bonita, bem perfumada, desejei-a, mas ela passou para a poltrona 22, sentou perto de um velho de barba branca.
Entrava e saía gente. Num canto e noutro os rostos se revezavam e eu tinha a certeza de que nunca mais as veria. Fosse bonita ou feia, cheirosas ou não, bem vestidas, mal vestidas... Eu nunca mais as veria!
Minutos após, a mesma garota que eu quis, tão cheirosa e bonita fez vômito em cima do senhor, que foi escolhido por ela para ser seu parceiro da viagem. Percebi que nem tudo que agente pensa ser bom é realmente bom.
A viagem ainda duraria mais de quatro horas além das duas que já se passara.
Foi então que entrou um senhor de seus quarenta e poucos anos, tossia. Todo mundo olhou para ele e ele pra todo mundo.
Baixo, branco de rosto vermelho, meio careca, dentes brancos e alinhados que percebia-se de longe que era uma prótese. Seus passos eram curtos, as veias das pernas inchadas, parecia ser um senhor doente. Trajava camisa branca (na verdade amarelada do tempo e também um pouco suja) uma velha bermuda jeans e uma sandália preta de couro. Olhou para todos, caminhou para o meu lado:
— Posso sentar aqui?
E eu educado, permiti.
O homem fedia como um gambá! Logo percebi que era um “bebum” e não um doente como pensei. A viagem toda tossiu ao meu lado. Não lhe dei corda em nenhum momento da viagem que logo terminou para ele. Graças a Deus! Também não poderia ser tão longa, pois o homem tinha apenas poucas moedas e não daria para pagar um percurso maior.
Mas depois entrou uma mulher de seus trinta anos, não tão bonita, mas charmosa, muito charmosa. Era uma loira de cabelos pelos ombros, soltos, lisos e penteados para a esquerda. Vez em quando passava a mão entre eles para que retomasse o seu penteado. Magra, mas gostosa. Perfumada, usava brincos de cor prata, um vestido decotado branco e transparente. Veio se aproximando e deu um leve sorriso para mim. Havia umas cinco poltronas sobrando, mas não sei porquê, foi com minha cara.
— Tem alguém sentado ai nessa poltrona ao lado?
— Não! — Respondi entusiasmado e já recolhendo as pernas para que desse passagem aquela mimosidade.
Fiquei calado, porém buscando uma maneira de começar uma conversa. Ela tirou da bolsa uns óculos de grau e em seguida um livro. Eu então perdi de vez minhas esperanças. Não ia me dar bola de jeito nenhum. Dei uma leve olhada por cima para ver de que se tratava o livro. “Os Miseráveis” de Victor Hugo. Recolhi-me novamente para o encosto da poltrona e fiquei olhando o corredor do ônibus na esperança de que entrasse mais alguém para tornar mais prazerosa a minha viagem.
Acho que começou ler o livro apenas para fazer charme, pousar de intelectual, pois não terminou nem uma pagina e logo fez o que eu menos esperava: puxou um papo.
— Tá indo para onde? — Perguntou virando-se para mim e baixando um pouco a cabeça para me ver por cima dos óculos.
— Para Umarizal. E você?
— Potiretama, Ceará.
— Mas esse ônibus não vai até o Ceará. Só até vai Itaú.
— Isso mesmo, eu vou até lá e depois pego outro até Potiretama.
— Você é de lá? — Perguntei para que assim pudesse alongar a conversa.
— Não! Sou de Alto Santo, bem pertinho de lá. É porque me casei com um cara de Potiretama e moro lá há cinco anos. Estou vindo de Natal. Fui visitar meus pais que agora moram lá.
— Nossa! Que contra mão hein? Foi a primeira vez que foi em Natal?
— Foi sim!
— Então, é casada, tem filhos...?
— Um só. E você tem filhos?
— Não. Não sou casado ainda.
— Que bom! — Exclamou ela me deixando já animado.
— Por que a alegria?
— Casamento não presta! Eu pensei que tivesse escolhido um cara bacana para me casar e deu no que deu. O primeiro ano foi até bom, mas depois...
— Depois o quê? — Insisti na conversa que ela deixou pelo caminho.
— A gente enjoa sabe... Fica monótono, cheio de confusão, ele sai com os amigos, ver TV o tempo todo, e festa que é bom... Só no primeiro ano ainda fui umas duas ou três, mas depois que veio o filho, nada! Acabou o encanto. Sexo uma ou duas vezes por semana, no máááximo duas. — Disse demonstrando total amargura pelo fato.
Fiquei espantado pelo nível da conversa em tão pouco tempo e perguntei se ela não tinha receio de conversar aquelas coisas comigo, nem me conhecia e já falando sobre suas intimidades com o marido. Ela parecia ser muito fogosa, e era.
— Ônibus é assim mesmo! Ninguém conhece ninguém e todo mundo se conhece. Agente desabafa, sabe? Posso contar a você os meus desejos mais secretos e quando você descer desse ônibus leva tudo como se fosse uma descarga de banheiro. Posso amassar sua perna assim como agora, posso lhe beijar e quando fores embora eu fico com a lembrança e você também! Quer melhor? Anônimos e íntimos. Ou prefere que essa viagem seja monótona o tempo todo, beijar relaxa sabia? E se ficar excitado, hum! Melhor ainda. Só não vamos poder fazer nada e você cuidado, que eu não me denuncio quando me excito, você sim! Já dar até pra ver.
Puxei ligeiramente a camisa para que ninguém visse e ela deu um sorriso bem sacana. Em seguida veio me beijar. Eu já estava excitado com ela me alisando. Imagina agora com o beijo.
— Você não disse que era casada? — Perguntei espantado.
— Falei casada. Não fiel. Mas cuidado se um dia for lá em Potiretama hein, sou uma santa lá e nunca traí meu marido. Não vai abrir a boca hein.
— Pra que diabos irei a Poriterama um dia?!
— Po-ti-re-ta-ma — Disse me corrigindo — Melhor assim! Se você nunca for melhor!
Nos beijamos e nos amassamos todo o caminho. Conversamos também, mas muito menos agora. Era noite e dava pra nos acariciar direitinho. As luzes apagadas, muita gente dormindo (ou fingindo)... Não importava, como ela falou, ninguém nos conhecia mesmo.
Esqueci então de olhar quem entrava e quem saía. Estava bem mais ocupado agora.
— Espera aí, você disse que nunca traiu seu marido lá em Poriterama, potiretama, sei lá... e tem esse fogo todo.
— Exatamente! Eu nunca o traí lá. Mas ele me dar confiança e quando eu viajo já viu né? Ninguém é de ferro. Passar dias fora de casa e não dar umazinha. Experimentar coisa nova. E olha que eu casei virgem hein!
— Duvido! — Disse eu sorrindo.
—Verdade! Mas eu só o traí três vezes. Cinco, porque foi três vezes com um só. Mas só foram três homens!
— Você ainda diz só! Acho que vou tomar o seu conselho mesmo para não casar. Sendo assim pra ser corneado... Casamento não presta mesmo! Quer dizer então que eu sou o quinto?
— Ah não! Assim de beijo na boca é bem o oitavo por aí.
— Minha nossa Senhora!
— Não devia ser tão religioso cometendo pecado assim!
A viagem para mim estava chegando ao final! Passou rápida naqueles amassos. Quando chegou o final peguei a bolsa em cima e ela me puxou pela camisa para dar o beijo de despedida e soltar mais uma pilhera para me aguçar o desejo.
— Eu ia adorar dar pra você! Você parece ser bem quente! Mas infelizmente o destino nos traiu, não nos veremos nunca mais!
— Quem sabe um dia! O mundo dar voltas!
— Estou super excitada, e você também que eu estou vendo. Quando eu chegar em casa vou dar uma com meu esposo pensando em você. Posso?
— Fique a vontade — Respondi num tom de gracejo e me tremendo de tesão.
— Ou prefere que eu faça sozinha pensando em você?
— Sozinha, claro.
— E você pensa em mim também tá?
— Combinado.
Desci do ônibus e ela me acenou pela janela com um tchau e soltou um beijo. Nunca mais eu a veria. Tinha certeza. Assim como todos ali dentro. Nem sabia se ela era quem realmente estava dizendo que era. Se era casada, se tinha filhos... Mas usava aliança, isso eu pude ver. O ônibus se foi e fiquei pensando que a vida da gente é exatamente como um ônibus: a vida ou a viagem pode ser longa ou curta, prazerosa ou não. Tem coisas ruins como o velho ao meu lado tossindo e fedendo. Tem coisas que agente deseja, não consegue, mas depois percebe que foi bom para gente não ter aquilo e tem coisas boas como... Ah, que merda não perguntei o nome dela!
Na vida e no ônibus é assim, tudo passa! Que seja bom ou ruim, tudo passa! Seja no meio da viagem ou no final tudo fica para trás e o ônibus continua andando, pegando gente, soltando gente...
É, vou esperar a volta para ver o que acontece, sempre uma surpresa assim como na vida da gente. Coloquei a bolsa nas costas e segui destino.

A PEDRA DO ÍNDIO

— Tonho, Tonho — o grito ecoou por entre as pedras chamando meu nome.
Eu estava inerte olhando a coruja dando seus últimos suspiros, abria e fechava o bico me olhando como quem queria me dizer algo. Eu conseguia sentir o seu minúsculo corpo inflando e desinflando por entre os dedos. Era quente e frágil. Seus olhos invadiram os meus. Compartilhei a sua dor, provocada pelo chumbo que eu havia lhe impregnado ao peito da pobre ave. Dos meus olhos caiu uma lágrima. Tantos anos de caçador e atirador nunca tinha me dado conta que eu estava tirando vidas de animais inocentes. E o pior que era por puro prazer. Mas por aquela estava sem jeito. Puxei-lhe o pescoço, arrancando a cabeça para minimizá-lhe a dor. Coloquei-a no bisaco, joguei a cabeça fora...
— Eu tô aqui Augusto, do outro lado da pedra — Respondi aliviando a preocupação do parceiro de caçadas.
— Cadê João tá aí com você? — perguntou-me
— Tá! Tá sim, bem aqui perto. Estou vendo ele.
Augusto veio aparecendo por trás da pedra e sentou-se dando um forte suspiro de cansaço. Eu também estava cansado e sentei ao seu lado. Tirando o fumo do bolso.
— Tem cigarro de venda aqui Tonho — Disse Augusto enfiando a mão no bolso.
— Não! Quero nada! Quero fumar é um pezinho de burro mesmo! Assim no mato só existem duas coisas gostosas: uma rolinha assada na brasa com farinha e café, mas em primeiro lugar vem o pé de burro. Esse cheiro do cigarro de fumo dá uma tranqüilidade que só vendo.
— Pois eu vou fumar é meu derbyzinho mesmo. — Augusto puxou o cigarro da carteira e enfiou a mão no bisaco tateando em busca da caixa de fósforo.
Nesse momento ouvimos o tiro de João, que repetia-se mundo a fora em forma de eco. Corri a vista e o vi passando os pés por cima do mato baixo, abrindo a pastagem para que pudesse encontrar a rolinha que previa ter matado. Depois veio ao nosso encontro meio envergonhado por ter errado o tiro.
— Mas rapaz, dei um tiro numa parelha de rolinha e perdi ali dentro do mato. Num encontrei não, visse!.
— Você errou foi o tiro barriga verde. As rolinha voaram pras bandas de lá e você não viu. Eu vi daqui. — Disse Augusto caçoando do primo que de caçador não tinha nada. Era um moleque de seus dezesseis anos, usava óculos de grau. Branquelo que só vendo. — Pode procurar outro ramo meu filho que esse de caçar não é pra você não! Já matou quantas?
— Seis. Quatro rolinhas, um galo de campina e um papa-sebo. Mas é porque tá fraco demais hoje.
— Fraco tá mesmo, mas eu já matei trinta e três. E você Tonho?
— Só dezenove! — Antes que Augusto começasse rir — puxei do bisaco também um tejo que
Eu havia matado a poucos minutos a trás. E calei-lhe logo a boca. Porque Augusto é assim: se não acompanhar ele, ele maltrata mesmo. Pabuloso que só vendo.
— Ô tejão! Fez a caça! — Exclamou Augusto estupefato
João logo seguiu pra perto de mim, ajeitou o óculos e pegou o tejo testando o peso do bicho. Depois de toda excitação dos colegas e a minha exaltação como caçador eu terminava de fazer o meu cigarro, passei a língua para colar o papel e peguei também a caixa de fósforo acendendo o cigarro e dando a primeira tragada. É a mais prazerosa sem dúvida! João tirou o bisaco, sentou-se também e começou tirar os carregos para carregar sua espingarda novamente. Eu e Augusto usávamos cartucheira, João não! Mediu a pólvora, colocou. Depois a bucha, tirou a vareta e socou bastante para que o tiro ficasse de tinir. Um bocado de chumbo e por última mais bucha, a última bucha não se soca tanto, coloca-se apenas para segurar o chumbo dentro do cano da espingarda. Pronto! Estava preparado para cometer outro assassinato covarde.
Eu estava impressionado não sei porquê, mas havia decidido naquele momento que nunca mais mataria bicho nenhum, nem mesmo cobra. O que me vinha a lembrança agora era os olhos da coruja que eu matara e o tejo se contorcendo ao chão no momento em que lhe dei o tiro. O pobre lagarto buscava talvez comida e eu na minha insana covardia o matei. Dentre as mortes de caça é uma das mais tristes e sofredora, pois o bicho se contorce todo ao chão, como se fosse uma broca de furar madeira. Com o tempo vai diminuído a intensidade das rodadas e vai se entregando a morte lentamente.
Pela primeira vez também torci para que João errasse o tiro e dessa vez podia garantir que era realmente pelo pássaro e não para que eu terminasse como campeão na caçada como tantas outras vezes eu fizera. Infelizmente ele não errou, matou mais uma rolinha. A alegria dele me apertava o coração. Principalmente quando veio sentar novamente junto a mim com a caça entre as mãos.
— Que horas a gente sobe pra ir embora? — perguntei.
— Por mim eu já ia agora, tenho que colocar comer paras os bichos quando chegar em casa.
— Eu também já quero ir — complementei. — Vamos subir por aqui mesmo, nós sairemos ali em Zé Aguiar e Luis de Iêiê ai nós pegaremos uma carona ali no “Chã do Espinheiro”, perto de Célia vereadora.
— Vamos — Respondeu Augusto — mas antes quero mostrar uma coisa para João. Venha aqui João atrás dessa pedra. Já viu isso aqui? — Disse mostrando as pinturas rupestres existentes nas grotas do “Chã do Espinheiro”.
Eu também não conhecia e fiquei admirado. Eram desenhos indecifráveis na sua maioria, mas alguns podíamos ver perfeitamente do que se tratava. Havia um parecido com um galo, outro com um lagarto e foi justamente desse que Augusto contou uma história.
— Dizem que esse lagarto aqui é enfeitiçado. — Contava Augusto — Se alguém passar o dedo em cima dele, redesenhado-o por três vezes aparece um índio a quem desenhou e sobe nas costas da gente para que a pessoa não possa subir a grota. Às vezes, quem desenha não ver o índio, mas que ele se agarra ás costas da gente, ah, isso se agarra.
— Como você sabe disso e quem desenhou isso aí Augusto?
— Ah, foram os povos antigos. Os índios, o povo que morava no mato antigamente.
— E Por que esse índio se agarra nas pessoas que redesenha esse calango aí?
— Não é calango não Tonho, é um lagarto enfeitiçado. Olhe o tamanho do bicho, é maior do que o tejo que tu matou hoje. E também não sei por que o índio aparece não, só sei que aparece.
— Duvido! — Exclamei.
— Pois então passe o dedo se tiver coragem.
— Ora Augusto se eu vou perder tempo com isso, me poupe de besteira desse tipo, isso é conversa de sertanejo caçador.
No fundo eu estava mesmo era com medo. Não sou de acreditar nessas coisas, mas também não sou de duvidar não. Catimbó, macumba, despacho, não acredito não, mas também não desacredito.
João mais jovem e mais afoito foi logo se aproximando para perto e perguntando como que fazia.
— É só esticar o dedo indicador e cobrir o desenho do lagarto por três vezes. E enquanto cobre diz umas palavras.
— Que palavras? — perguntou João.

“Índio valente, mais valente que tu sou eu
passando o dedo no lagarto enfeitiçado
subo a ladeira rindo de ti
pra você aparecer enfezado”

Ficamos atentos a qualquer acontecimento estranho por alguns minutos até que João disse:
— Ah, cadê o índio? Isso é conversa, não aparece índio nenhum.
— Mas ele pode aparecer daqui pra você subir a ladeira da grota e se agarrar nas suas costas
— Isso é balela! — Respondeu novamente João
Depois que decidimos ir embora falávamos sempre da pedra do índio enquanto seguíamos o caminho, e por incrível que pareça João começou a cansar durante o caminho, será que era o índio que tava nas costas dele, agarrado ao seu pescoço? Não sei! Só sei que era tudo muito estranho. Mas levando-se em conta que ele não era acostumado a andar muito e que era branco e magro podia ser fraqueza mesmo. Não sei, mas eu que não arriscava ter passado o dedo naquele calango maldito.
— Não tá sentindo um peso nas costas não João? — perguntei eu rindo da situação do branquelo.
— Nada! Isso é conversa, esse índio não existe não Tonho. Eu só to cansado mesmo.
João foi ficando cada vez mais cansado e só subiu porque nós o ajudamos, levado mesmo.
Ele disse que outro dia ia redesenhar o lagarto enfeitiçado de novo pra mostrar que não existia essa história, mas o fato é que nem eu, nem ele voltamos mais lá.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

EXAME DE PROSTATA É MOLEZA. O PERIGO É SE AVICIAR

Dizem que aqui se paga
O que aqui agente faz
E eu comecei acreditar
No ditado dos meus pais
No dia do acontecido
Que ocorreu comigo
Pra tirar a minha paz

Nos meus tempos de rapaz
Fazia muita coisa errada
Bulir com filha alheia
Para mim era mamada
E quando Deus me castigou
Digo a você meu sinhô
Que foi tudo d’uma lapada

Eu já passano do quarenta
Uns cinco ano mais ou meno
Comecei a me queixar
D’umas dor me aburreceno
Bem no pezim da viria
E meu amigo quem diria
Eu já tava quase morreno

Fui no medico já nas última
A pedido da muié
Nessas hora agente tem
Que fazer o que elas quer
Eu disse assim: ── eu vou
Cunversar lá com o doutor
Pra ele dizer o que é

E o danado falou lá
D’uma doença que havia
Que inflamava a prosta
E a muitos homem atingia
E sem dó nem coração
Fez por lá a marcação
Do exame pro outro dia

Êita eu fiquei disinganado
Me deu logo uma tristesa
Pois sei que esse exame
É uma baita malvadesa
Mas era o modo perfeito
E não tinha outro jeito
Nenhum modo de esperteza

No outro dia bem cedim
Com a dor no pé do imbigo
Sai cunversano sozinho
Pensano assim cumigo
Prus peste num me ver
Eu tinha que me esconder
Dos danado dos amigo

Se eles ficasse sabeno
A canaia tava armada
Fui andano muito legeiro
Só por cima da calçada
E chegano no hospital
Já quase passano mal
Fui logo dano entrada

Já tinha esquecido a dor
A vergonha era maior
Entrei na sala do médico
Por nome doutor Feijó
Que de muito educado
E também bem perfumado
Minha garganta deu um nó

Ele puxou uns assunto
Que era pra eu relaxar
Falou de time, futebol
Só pra me abestaiar
Mas me bateu o coração
Quando ele disse: ── Seu João
Podemos começar?

Tire a roupa não se apresse
Pode ficar ai em paz
Não se preocupe com isso
Porque todo macho faz
Digo a você meu patrão
Que do sarto do coração
Eu quase caí pra traz

Pensei assim comigo
Que ia me desgraçar
Mas tudo tem uma vez
E tentei me acalmar
Pensei naquela hora
É agora
Que vão me descabaçar

O medico se preparava
E eu fiquei ali pensano
Que aquilo era os pecado
Que eu tava ali pagano
O doutor com a voz macia
E ali eu percebia
Que ele tava se aproximando

Disse: ── Num vai doer nada
Num precisa se apavorar
Que eu passo um olhim
No dedo pra amaciar
Nesse momento eu sartei
Com muita raiva mandei
O doutor ir se lascar

── Que é isso seu João!?
Ele foi me perguntou
Só vou passar uma pasta
Que a ciência inventou
Que é o pro camarada
Num levar tabocada
E assim num sintir dor

Eu disse: ── doutor
Vá judiar com o capeta
Vá ingrachar o chassi
Dum caminhão de carreta
Porque no meu fio-fó
Eu quero o exame sem dó
Feito com arame de roseta

Areia, caco de vrido
Tudo isso pode butar
Mas cum delicadesa
Não sinhor, nem pensar
O sinhor passano banha
Eu vou ficar chêi de manha
E toda semana querer voltar

A VISITA

— Sua bênção vovô
— Deus te abençoe meu filho. Cadê Francisca, não veio não? — Perguntou-me com a voz trêmula por causa do mal de Parkinson.
— Não sei não vovô.
— E você não vem de casa não?
— Venho vovô, mas eu acho que o senhor está confundindo, eu sou filho de Lúcia.
— Ah! É mesmo. Como é que está seu pai? Ainda está trabalhando em Fortaleza?
— Está vovô. Eu acho que este fim de mês ele virá.
Era sempre assim. Vovô Jorge nunca se lembrava das pessoas assim logo de cara. Mas bastava um roteiro e o velho se achava na conversa. Antes confundira que eu era Diogo, meu primo, filho de minha tia Francisca, mas bastou que eu lhe dissesse que era filho de Lúcia e logo ele se lembrava quem era eu e quem era meu pai.
Eu adorava conversar com vovô, falar dos tempos em que ele servira ao Exército Brasileiro, dos tempos de namoro e das estórias de sua juventude. Vovô seria só no mundo, se não fosse os descendentes, pois fugira de casa aos treze anos de idade com medo de uma surra que o seu pai lhe daria. Ali não tinha irmãos, sobrinho nem primos.
Ele havia ido buscar água num jumento, enchia dois depósitos todos os dias no riacho Olho D’água. Naquele dia, o riacho chorava água lentamente e vovô enchia os barris com uma cuia feita de cabaço. Como demorou muito, no caminho viu um amigo do seu pai que lhe disse: “Vá logo pra casa Jorge que seu pai está lhe esperando pra dá-lhe uma pisa. Ele disse que você estava demorando demais e hoje ia arrancar-lhe o coro de uma surra”.
Vovô Jorge nunca soube se era verdade, mas arreou os barris do jumento e o abandonou amarrado a um pé de aroeira. Até hoje nunca mais voltou para casa, em Bananeiras, na Paraíba. Vivia sempre com essa dúvida de não ter voltado pra saber se apanharia mesmo ou era só uma mentira para fazer medo ao moleque taludo, filho de Seu Antônio, que era um pai severo e rude. Mas ao mesmo tempo era magoado, pois vivia trabalhando o tempo todo para ajudar o pai e vez por outra era surrado de maneira violenta por seu Antônio.
Vovô já carregava noventa e dois anos nas costas. Tinha uma família grande a partir dele, pois não conhecia irmãos, nem sabia onde estavam. Sabia que os tinha, mas não fazia idéia de onde poderia encontrá-los.
Depois de algum tempo resolvi ir embora. Acariciei suas mãos, sentindo a fina pele e as veias expostas e verdes. Era visível tamanha fraqueza de um corpo que um dia fora de guerra, que havia brigado, lutado. Tornara-se tão indefeso o pobre vovô. O tempo lhe roubara a juventude.
— Eu já vou vovô Jorge!
— Até mais, mande lembrança para Lúcia.
Saí, liguei o carro e vovô me olhava de longe com os olhos encoberto pela catarata, matinha a mão direita asteada e amparando o franco sol da tarde. Novamente acenei para vovô, ele acenou de volta.
— Até outro dia
— Até. — Respondi saindo.