quarta-feira, 5 de agosto de 2009

O FILHO PRÓDIGO


Estava próximo do carnaval. Eu era um homem que sempre ia às missas na Matriz de Santo Antônio de quem sou muito devoto. Nunca fui um papa-hóstia, mas gostava dos sermões da missa de domingo, adorava comungar ao menos uma vez por mês e como bom católico me confessava, não todo ano como manda a Igreja, mas nunca passei mais que dois anos e meio sem ir aos pés do padre contar meus pecados que nunca fora “cabeludos”: bebia minha cerveja no fim de semana, adorava e fazia tudo pelos meus dois filhos Edgar e Moisés e sempre tratei muito bem a minha esposa, Francisca, com a qual sou casado há vinte e seis anos.
Moisés, de nome bíblico, nunca fora adepto de nenhuma igreja. E por ironia do destino, Edgar, de nome não bíblico, fora coroinha por volta de uns 14 anos e aos 22 se convertera à Assembleia de Deus. No começo achei meio estranho, mas depois me acostumei e até gostei, era uma preocupação a menos, Edgar trabalhava, não ia festa, logo casou-se e como todo bom evangélico, não preciso falar, não bebia bebida alcoólica.
Certo dia, como já falei próximo do carnaval, fui surpreendido por um convite feito por Edgar, ele que nunca interferira na minha vida católica e muito menos na minha bebida de fim de semana, também nunca mudara o meu comportamento por causa da bebida, era mais uma forma de relaxar, já que a semana toda eu trabalhava.
— Pai, o Senhor e a mamãe não desejaria ir ao retiro espiritual da minha igreja nesses dias de carnaval? — Perguntou-me quase na certeza de que eu não aceitaria. Ledo engano. Aceitei na bucha.
— Por mim... vou perguntar se Francisca quer ir, se ela for eu vou.
Nunca havia participado de algo tão maravilhoso, eu nunca gostara mesmo de carnaval, não ia me fazer nenhum pouco de falta. O retiro foi esplêndido.
Ao voltar não pensei duas vezes em passar frequentar a Assembleia, havia feito muitas amizades e me sentia bem no meio de toda aquela gente, me sentia leve, feliz. Em poucos dias tirei meus santos da parede, adotei uma bíblia a qual lia sagradamente todo santo dia. Assistia cultos na TV e nem preciso dizer que repelia cerveja e todo tipo de bebida alcoólica. Rezava apenas o Pai Nosso. Não fazia sinal da cruz, mas diferentemente de muitos protestantes nunca desprezei quem gostava de um bom vinho, uma cerveja ou algo assim, eu compreendia o prazer da carne que estas bebidas proporcionava, quando ingerido na medida certa é claro.
Mas com o tempo, uma coisa passou a me angustiar: os quadros dos meus santos empoeirando em uma caixa de papelão que eu guardava na despensa. Isso começou a me incomodar terrivelmente. Um dia parei, deu-me um estalo, senti saudades daqueles pedaços de madeira, daqueles pedaços de gesso que, não eram sagrados, tudo bem. Mas de longe levaria alguém para o inferno como eu passara a acreditar.
Há dias eu não sentia mais a alegria de quando ingressei para a igreja evangélica. Eu sentia uma enorme saudade de meus santos na parede, minha estátua de Santo Antônio de um metro, que eu mantinha no canto do quarto e que me dava tanto orgulho em possuí-la. De repente num estalo, fui até a despensa e de cara vi meu Santo Antônio meio empoeirado com o tempo e a caixa de papelão onde habitavam agora meus quadros. Chorei bastante, era o confronto da cultura em que fui criado com a razão e religião nova a qual eu adotara. Afinal, não seria também uma cultura o fato de não acreditar nos santos, não seria uma ideia da mesma forma equivocada. Quem estaria certo, quem pecava mais. “Depende de cada um” respondi a mim mesmo, existem evangélicos errados e certos, existem católicos certos e errados, assim como há o médico corrupto e o honesto, assim como são os políticos, padres, pastores, policiais. Tudo tem os dois lados da moeda não é mesmo? Era o confronto em minha mente de quem um dia resolve acreditar em duas ideias, duas teorias. Uma lágrima veio ao rosto, olhei para Santo Antônio, peguei um pano, limpei com uma copiosa delicadeza, como se fosse um ser humano abandonado, um enfermo. Beijei-o, pedi perdão. A estátua parecia me sorrir. Levei-a para o local de onde nunca deveria ter saído: do canto do meu quarto. Voltei, peguei a caixa e passei a limpar os quadros, um a um. A cada limpeza um beijo como pedido de desculpa e tornava a colocá-los a parede. O “Sagrado Coração” voltou para a estante. Ao terminar tudo me senti como se a poeira tivesse saído também de mim.
Que ideia a minha! Acreditar que iria para o inferno por conservar imagens. Os seis meses que passei na assembleia me foram valiosíssimos, tenho enorme apreço pelos irmãos, mas se é que Deus condena mesmo alguém, acho que ele teria muito mais coisa para julgar do que um homem trabalhador, casado e fiel, um “bom sujeito”, que sempre soube compreender e ajudar as pessoas, que criou os filhos maravilhosamente bem, que sempre tratou os pais de forma brilhante enquanto eram vivos. Não, definitivamente não! Deus não era esse em que eu passara a acreditar! Minha cerveja, meu vinho, até mesmo minha cachaça de vez em quando não me levaria ao inferno! Não foi esse Deus que eu conhecera!
Olhei para Santo Antônio e depois de meses fiz o sinal da cruz, beijei a estátua e comecei uma exaltada “Ave Maria”, depois um “Santo Antônio Pequenino”. Senti-me leve, a leveza de um paraíso, de um céu, percebi que o céu mora dentro da gente, que estar em paz consigo é estar salvo. “O senhor é convosco... amém”

6 comentários:

Unknown disse...

Todos usam palavras, contudo,as palavras não são para serem usadas, são para serem ouvidas, contempladas e interpretadas; ao ler as poesias e os livros de meu amigo Francione, entramos no extase das idéias, e na contemplação das palavras; pois ele usa-as com uma precisão tão precisa, que já não se sabe se as idéias são as palavras ou se as palavras são as idéias!
Parabens França!!!!

do seu admirador: ANTONIO GONZAGA

Mírian B. Rosa disse...

Bacana o Texto... Vc tem jeito pra coisa, hehehehe

Luiz Gomes disse...

Caro amigo Francione bela interpretação de um tema gerador de tanta polêmica e até desavença!
parabéns pela frase "estar em paz consigo é estar salvo"!! continua com teus versos prosa maravilhosa!

Cefas Carvalho disse...

Belo texto, amigo. Singelo e com um tema profundo. Continue assim. Abraço!

CH disse...

Católico arrependido é um pouco de mais, o pessonagem parece ser vitima da gerra entre a globo e a reco,quem sera que ganha? França,estou esperando um livro novo seu na livraria, valeu brodim

Francione Clementino disse...

Novo vai demorar, mas acho que estarei na Feirinha de Sao Francisco lançando os meus aqui em Lagoa Nova, já que só lancei ai em Currais Novos! Espero que você compareça pra tomarmos um coquetel!

Abraço amigo Chagas!!