sexta-feira, 14 de agosto de 2009

UMA CERTA CLÁUDIA


Dirigia-me a Caruaru. Era meio dia quando desci do ônibus em Campina Grande para esperar a próxima viação que me levaria ao destino final. Sentado no banco da rodoviária, abri uma bolsa, tirei um livro novo que um amigo me emprestara e continuei minha leitura, já estava na pagina 102 para ser mais exato. Minutos depois, chegou uma mulher procurando alguma coisa dentro de sua bolsa, confesso que nem me notou, mas por instinto foi sentando-se ao meu lado para tentar encontrar o que procurava mais despreocupada. Parei a leitura e fiquei observando-a naquela pequena empreitada pessoal. De repente um ar de alívio, e ela tirou da bolsa uma fatura de um cartão de crédito. Finalmente ela olhou para mim e me cumprimentou com um simples aceno de cabeça. Fiz o mesmo e fingi continuar lendo, mas alguma coisa me atraía naquela mulher de jeito atrapalhado.
Tinha corpo franzino, morena, cabelos estirados e com reflexos que a deixavam com cara de mulher ainda mais madura. Devia ter seus trinta anos. Seus olhos eram negros e penetrantes. Seus cílios fortes denotavam não precisar nunca de rímel algum. Puxou o celular da bolsa, pôs o fone e levou aos ouvidos. Pegou o cigarro, o isqueiro e acendeu sem a mínima educação de perguntar se eu fumava e se a fumaça não me incomodaria. Mas fato é que toda essa naturalidade dela demonstrava certa independência que me atraía, me sufocava.
Sem me conter mais, parti pra o ataque:
— Eu poderia pedir seu isqueiro emprestado, ou perguntar as horas, mas você vai ver que eu não sei fumar e que também tenho relógio, então era só uma desculpa pra eu chegar perto de você. Portanto tomei coragem e vim perguntar seu nome.
— Cacau, Cláudia, mas pode chamar Cacau.
— Nossa você é mesmo um bombom. — Falei sorrindo da minha própria desgraça
— Suas duas cantadas foram péssimas. — Disse com um sorriso debochador.
— Confesso, sou péssimo em cantadas. Mas e aí, você mora onde?
— Acho que você já sabe demais a meu respeito. Meu nome é Cláudia, sou separada e tenho dois filhos que moram comigo em algum lugar deste planeta.
Pelas suas respostas audaciosas percebia-se a inteligência daquela mulher que me conquistava cada vez mais. Sempre procurando um jeito de me deixar encabulado, seguia me perguntando e respondendo coisas da vida, não da dela é claro. Ela me deixava afogado em desmedida curiosidade. A atitude de manter segredo sobre sua identidade me seduzia profundamente. Entrei no jogo.
Depois de muita conversa e olhares, arrisquei um convite.
— Que tal um cerveja pra curar esse calor paraibano?
— Logo se vê que você não tem o mínimo jeito pra mulher! Um cavalheiro convidaria pra tomar um vinho, um champanhe... mas eu aceito a cerveja!
Quase aos pulos de felicidade, peguei as malas dela, a minha e saí lado a lado com Cacau. Chegamos ao bar, pedi uma cerveja e tomamos, ela parecia adorar. No correr das conversas contei praticamente toda minha vida. Ela continuava debochada, mas na rispidez das respostas dela eu percebia também por parte dela uma atração por mim. Depois de três garrafas, fiz-lhe um convite na certeza de que não aceitaria, mas me surpreendi com um decisivo “sim” dela. Propus dormirmos ali em Campina Grande, numa pousada, num hotel, seja lá o que fosse. Ela ligou para alguém, disse que só chegaria no dia seguinte, eu também liguei pra meu tio que me esperava em Caruaru e disse que havia perdido o ônibus e dormiria ali para viajar no próximo amanhecer. Mentiras criadas, mentiras aceitas. Almoçamos, fomos procurar uma pousada ali mesmo perto da rodoviária. Cláudia continuava sem me dar a mínima pista de quem ela realmente era. De certa forma aquilo começava a me incomodar, mas eu percebia claramente que era um jogo dela e eu não poderia fazer nada a não ser jogar também.
Passeamos pela cidade durante o resto da tarde como se fôssemos um casal de namorados. A essa altura Cláudia já sabia que eu era casado e que tinha uma filha de cinco anos. Onde eu morava, onde eu trabalhava, telefone, pra qual lugar eu ia e de onde vinha. Posso concluir que ela, nesse momento, sabia praticamente tudo da minha vida. Porém eu só sabia seu nome, que fora casada e que tinha dois filhos.
A noite na pousada fizemos amor plenamente por exatas três vezes regado a vinho, suor e gemidos. Apenas a luz do banheiro do quarto acesa, deixava no ambiente uma penumbra que conseguia esculturar o corpo de Cláudia. A claridade dúbia sempre transforma o rosto e o corpo de uma mulher mais misterioso do que parece.
Às quatro horas da manhã, meio bêbados e exaustos, deitamos lado a lado e rimos exageradamente, entorpecido por quase três garrafas de vinho. Tomei banho, voltei pra cama. Cláudia levantou, pegou a toalha, e se dirigia ao banheiro quando perguntei:
— E o jogo não acabou?
— Que jogo? — respondeu-me com outra pergunta e sacudindo o cabelo para o lado.
— Você não vai me dizer quem você é?
— Já te disse: sou Cláudia, me chamam de Cacau, sou separada e tenho dois filhos.
— Você é muito seca! Não vai me dizer onde mora, seu telefone, o que faz da vida...?
Ela me olhou com cara de ternura, dirigiu-se à bolsa que estava no criado-mudo, procurou a carteira. Pensei comigo que ia me dar o telefone, mas inusitadamente me deu a carteira de identidade.
— O que significa isso? — Perguntei estonteado sem entender a ação.
— Olhe bastante para ela, é tudo que você vai saber sobre mim! — Entrou no banheiro e ligou o chuveiro me deixando desnorteado e ao mesmo tempo com um sorriso no rosto.
— Louca! — Exclamei alto, debochando da situação — Já que você é cacau eu poderia te fazer uma serenata, dizer que é um prestígio estar com você, que seu batom é delicioso, e que seus olhos são um diamante negro...
— Para! Continua com péssimas cantadas. (risos), então está bem... se eu fosse te apelidar com comida te chamaria o quê? (pausa) — Fiquei ansioso para ouvir o que viria daquela louca — Hot Dog! Isso: Cachorro Quente, muito cachorro e muito quente.
Gargalhamos desesperadoramente, ela saiu do banheiro, tomou a identidade de minhas mãos, guardou-a, tirou a toalha e deitou-se apenas de calcinha.
— Descobriu quem sou eu? — perguntou-me referindo-se a consulta feita na identidade!
— Que você se chama Cláudia Oliveira Barbosa? Que nasceu em Solânea, Paraíba, no dia 05 de abril de 1980? E que sua identidade foi expedida pelo estado da Paraíba no dia 20 de julho de 1997?
— Exatamente isso! Nossa você conseguiu decorar tudo isso? — Perguntou-me depravadamente!
— Mas sua identidade é de casada...
— Mas já te falei que sou separada. Meu nome realmente é Cláudia não é?
— Sim!
— Então, é sinal que não menti pra você! Estou omitindo muitas coisas, mas não menti em nada! — Beijou-me e virou para dormir! Não demorei a adormecer também, estava cansado por tudo: pela viagem, pela noite de amor e ébrio graças a bebida dionisíaca.
Somente às dez horas consegui acordar. Cláudia não estava do meu lado, pensei que estivesse no banheiro. Enganei-me. Somente o lençol amassado e um bilhete no criado-mudo me davam a certeza de que não tinha sido um sonho. Peguei o bilhete na esperança de encontrar o telefone dela, novamente outro engano: “Pra falar a verdade adorei o ‘bombom’, o ‘diamante negro’. Amei a noite, foi maravilhosa, digamos que você está entre os três melhores homens que já tive. Beijos! Assinado: Uma certa Cláudia”. Foi tudo que restou de uma noite inesquecível.
Abri a carteira, guardei o bilhete, aprontei-me e segui para a rodoviária rumo a Caruaru, pensando incessantemente numa “certa Cláudia” ou seria a Cláudia certa?

3 comentários:

Shirlaynn disse...

Masi uma vez parabéns pelo conto!!

Você sempre surpreende...
Um abraço!

Cláudia Magalhães disse...

Muito bom! Gostosíssimo de ler... Parabéns, amigo!

Beijos.

Cláudia.(Desejando ardentemente um batom, um diamante negro... kkkkkk)

Sulla Mino disse...

Olá caro escritor. Desculpe-me a tamanha invasão em teu Blog, não resisti e me aprofundei na leitura, quando me dei conta, já era tarde, já estava fazendo parte destes rascunhos...Parabéns! Voltarei mais vezes. Bjks,