quinta-feira, 29 de maio de 2014

A FILA NO CÉU



A FILA NO CÉU


Desde piqueno eu uvia
Que quando agente murria
Tinha dois lugá pra ir
Um era pras mão do Sinhô
E ôtro pras do Santanáis
Um bicho fêi que só o cão
Que virava assombração
Se se virasse de traiz

Mais mermo assim num dei uvido
Bibia, fumava, namorava
Gostava d’umas briga
Dançava e raparigava
De manhã, de noite, de dia
Onde tivesse festa eu ia
E de tudo eu aprontava

Um dia vi uns home passano
Numa tarde de inverno
Uma bríbia... uma gravata
Tudo trajado de terno
Fiquei pensano cumigo
S’eu num ficar arrempendido
Eu vô parar no inferno

Crente eu num vô ser
Pruque num dá certo isso
Minha mãe num vai gostar
E pra num ter ribuliço
Risurvi ingressar
Na igreja e rezar
Ser devoto de Padim Ciço

Me tornei um católico da gota
Vivia na casa do Sinhô
Socado lá dia e noite
Rezano cum munto amor
Majuntava mais Toin
Crebe, João e Leuzin
Cantano e tocano lovô

Andava todo arrumado
E o povo todo sadimirava
--- Que minino mais bonito!
Eu fazia que nem iscutava
Era o cantor das missa
Junto cum João de dona Ciça
Ele tocano e eu cantava

Vivia só pra sirvir a Deus
Nem fumava e nem bibia
Se me oferecesse cachaça
Eu munto ligêro saía
Rezava pra Sã juão
Par me livrar da tentação
Dava as costa e me benzia

E pra namoro eu virei mole
Fiquei frôxo pra briga
Quando as nega me pegava
Era um sarro da bixiga
Eu cum vontade de correr
Pegava logo a dizer
--- Desse jeito assim Deus castiga

O tempo se passava
E eu cada veiz mais dedicado
Era missa, teço, novena
E o povo tudo adimirado
Tava um santo perfeito
Num tinha nenhum defeito
Pra mode eu ser castigado

Porém um dia de noite
Nas minha oração
Cunversano cum pai celeste
Pidi a ele uma expricação
Disse assim pru pai fiel
--- Me amoste cumo é o céu
     Se eu mereço essa benção

Na hora mermo eu num vi nada
Mais despois que fui durmir
Tive um sonho besta fera
Que eu nunca me isquici
Negoço pra assombrá
Quaiquer ser mortá
Que quizesse ir pra’li

No sonhe eu tinha murrido
Tava numa fila isperano
Mais o meno dez quilômeto
E o povo tudo suano
Ô fila grande da peste
Só pudia ser um teste
Que Deus tava preparano

Passei três dia na fila
E já morto de cansado
Fui chegano assim pra perto
E já munto animado
Um caba cum jeito de bicha
Disse: --- Tá qui sua ficha
    Espere ali sentado

---Ainda pra isperá?!
    Já passei três dia aqui impé
Fiquei logo neivoso
Isquici a minha fé
Preguntei mêi sem juízo
S’ali era um paraíso
Ou se era um caberé

Avistei um véi baibudo
Iscorado num porrete
Um vistidão véi branco
Pensei logo num macete
Oiêi assim pra ele
E fiquei cum medo dele
Querer me quebrar no cacete

Me acaimêi um pôco mais
E antes que fosse tárde
Me aprochegei pra ele
Cunversano pela metade
Disse assim: --- Pedim
   Tá s’alembrano de mim?
   Lula que ajudava o pade

O véi oiô pra mim
E nada me arrespondeu
Fiquei tremeno todim
E ele só oiano pra eu
Tentei puxar ôtro assunto
Mas o home mermo um difunto
Parado, nem se mexeu

Disse ôtra veiz: --- Bom dia
   O sinhô mora pur aqui?
   Tá um dia bunito
   Já deu até pra sintir!
Ele disse cum a voz alta
--- Se num quiser levar chibata
    Fique sentadim ali

 Você deve tá pensano
Que viveu cumeno osta
Vai chegar e bagunçar
Fazer o que bem gosta
Aqui tudim têm paiz
Os direito são iguais
E você num vale bosta

Me sentei oiêi a ficha
Me deu logo um disingano
Deiz mil quinhentos e doze
Pra eu ficar isperano
Me arrependi da santidade
Dos dias de caridade
Que eu vivia praticano

Cum pedaço uví uns grito
Um ai-ai-ai, uns gemido
Preguntei a São Pêdo
Que diabo tinha aconticido
Ele se virô pra mim
Disse desse jeito assim
do que tinha ocurrido

--- Esse hóme que tá gritano
ali dento disisperado
é pruque foi bom dimais
na terra quando incarnado
e nas costa tão furano
dois buraco e butano
umas asa no danado

despois vão furar também
um buraco na cabeça
pra butar uma alréla
pra que ele obedeça
se foi bom lá na terra
se faz o certo e não e não erra
meu desejo é que cresça

ele vai virá anjo
sirvir a Deus eternamente
mais tem que passar pur isso
se quer viver livremente
cum asa ele vai avuar
pru todo canto vai andar
se ele for obidiente

Eu disse assim: --- São pêdo
O negoço tá xafudado
Se pra o caba ser anjo
Agente tem que ser furado
É mió ir pru inferno
Dexar o pai fraterno
E ficar logo disgraçado

São pêdo me disse us berro
--- Vááá, lá você se ferra todim
lá o Diabo num tem pena
que nem Deus teve de mim
ele lhe lasca noite e dia
tudo que você fazia
ele disconta tudim

--- São Pêdo meu camarada
Eu falei desse jeito
--- Ninguém precisa ser santo
pruquê todos tem defeito
se o diabo me lascar
todo dia me rear
mas os buraco já tão feito

Já ia chegano a minha veiz
Quando eu me acordei
Agradici, oiêi pras têa
Finalmente me aliviei
Pensei munto na vida
E minha igreja quirida
No ôtro dia abandonei

Falei pra Jesus Cristo
Que se me quiser ai pru céu
Num precisa me furar
Quando eu for pru beleleu
Me aceite bebeno e fumano
Assim mermo namorano
E iscreveno meus cordel

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